QUEM FOI COXINHO O MAIS POPULAR CANTADOR DE BOI DO MARANHÃO



Natural da Baixada Maranhense, um dos patronos da Academia Arariense-Vitoriense de Letras, cadeira nº. 07, fundada e ocupada pelo artista plástico Airton Marinho (da Secretaria de Cultura do Estado), Bartolomeu dos Santos, o popular Coxinho, vem à luz em 24 de agosto de 1910, no lugarejo Fazenda Nova, nas proximidades de Lapela (considerado um dos maiores redutos de afrodescendentes no município de Vitória do Mearim). Órfão de pai e mãe, ainda menino, logo tem que “enfrentar sozinho as dificuldades que a vida oferece àqueles que bem cedo perdem o doce convívio dos pais”, como bem o diz o escritor vitoriense Arimatea Coelho (1998). Sua estréia como cantador de Boi dá-se em 1924 (ano marcado por uma das maiores enchentes no Estado), no seu município de origem, aos 14 anos, na condição de “vaqueiro perdido”, do boi de cofo “Reis do ano”, com a toada: “Mas essa é que é a serpente marinha/ Que conduz porco e saco de açúcar/ E até panero de farinha”.
Aos 16 anos (1926), deixa a terra natal, com destino a São Luís, onde começa a trabalhar como “moço de convés”, em embarcações que fazem o périplo marítimo/fluvial São Luís-Grajaú. Sempre envolvido com os folguedos juninos do bumba-meu-boi, de porto em porto, por onde desembarca, na rota das muitas viagens, angariando sempre muitas amizades com cantadores de boi (dentre estes, Rosalvo Simplício Moreno, conhecido nas rodas de guarnicê da Baixada por Rosalino ou Rosa Bobagem), aos poucos vai ascendendo, na hierarquia da brincadeira, chegando, em 1938, ao status de amo.
A partir de 1940 (início do ano), Bartolomeu (Berto, no seu tempo de cantoria pelo interior maranhense), começa a se destacar nas rodas de boi de São Luís. A partir de 1945, integra-se a dois grupos de bumba-boi da Baixada, dos mais famosos do Maranhão: o de Viana e o de Pindaré – que, com o de São João Batista, compõem o subgrupo da baixada (uma das divisões do chamado grupo indígena, que tem na matraca o diferencial inconfundível do sotaque).
Sobre o assunto, vale ressaltar que, segundo a pesquisadora Maria Michol Pinho de Carvalho (1995), em 1945, foi criado, em São Luís, o Boi de Viana, tendo como líder do batalhão Apolônio Melônio, até 1959 – quando este então, desligando-se do grupo de origem, organiza, em 1960, na Floresta (Liberdade), ao lado de João Câncio e Coxinho, um outro boi, que, na força da vox populi, ficou conhecido como Turma do Pindaré, contando este com quatro amos: Apolônio e Coxinho de um lado, João Câncio e Cobrinha do outro. Em 1967, nova cisão: João Câncio, separando-se de Apolônio, leva parte do grupão original para o Bairro de Fátima (onde reside). É quando Coxinho, até então meramente um cantador brilhante, passa a dividir, com João Câncio, o encargo de amo do Boi de Pindaré.
O ano de 1971 registra um momento muito especial na vida deste admirável cantador da Baixada: da sua união com Maria Jocelina Sousa dos Santos, nasce o primogênito do casal, José Plácido Sousa dos Santos (o Zequinha, herdeiro do pai no dom da cantoria, continuando-o, como um dos cantadores do Boi de Pindaré, cujo miolo é um dos seus irmãos, Edmilson Sousa dos Santos). O ano seguinte (1972) é ainda melhor: o batalhão de João Câncio, ou seja, o Boi de Pindaré, é sagrado campeão, com a toada de Coxinho – a até hoje insuperável “Urrou do Boi”, adotada oficialmente, anos mais tarde, pelos órgãos administradores da cultura do Estado, como hino do folclore maranhense. Nesse mesmo ano, o cada vez mais famoso Boi de Pindaré, grava o seu primeiro disco (long-play) com toadas de Coxinho. Disco “antológico, no cancioneiro popular, projetando a cultura maranhense no cenário nacional”, como observa Airton Marinho (2002), de quem ainda o acréscimo: “...versões e regravações daquelas toadas foram feitas, sucessivamente, inclusive por intérpretes de prestígio nacional, como por exemplo, o conjunto Boca Livre. Reedições, na voz de Coxinho, também foram feitas. Mas o Boi de Pindaré e seu principal cantador nunca receberam o respectivo pagamento pelos direitos autorais”.
Em 1977, com o falecimento de João Câncio, nosso protagonista passa a assumir, inteiramente, a responsabilidade de amo do Boi de Pindaré. Em 1979, por obra e graça do governador João Castelo (1979-1982), este exímio cantador é contemplado com um emprego na Secretaria de Desportos e Lazer (SEDEL), a partir do qual consegue, anos mais tarde, a aposentadoria de um salário mínimo – seu pão de cada dia por muitos anos. É, também, às expensas do Estado, ainda no governo de João Castelo (segundo o depoimento de José Plácido, filho mais velho de Coxinho, ao acadêmico Airton Marinho – 2002), que obtem a sua casa própria (nº. 435, rua 10, Bairro de Fátima, também cognominada de Rua João Henrique – ), ainda hoje pertencente à família. Nesse contexto, surge a toada:
“Meu vaquero, vamo dá uma vorta/ Até o Palácio dos Leões/ Eu vou falá com João Castelo/ Que é o governo do Maranhão/ Que eu vou dá um passeio em Brasília/ Pra conhecê João Figeiredo/ O chefe da nossa nação”.
No parágrafo a seguir, ainda Airton Marinho (2002) em um tocante depoimento sobre o nosso herói... Ei-lo que recorda:
“Em 1987, uma cena constrangeu São Luís do Maranhão: Coxinho, fustigado pela pobreza, pela enfermidade e pelo abandono, voltava às ruas como pedinte, o que já fizera outras vezes. Doente, perambulava como mendigo e fazia ‘ponto’ na Rua Grande, buscando o sustento dos nove filhos, abandonado como estava, desde o ano anterior, pela mulher Maria Jocelina. Foi nessa época que, num certo dia, chegando à casa de minha mãe, na Rua de Santa Rita, no centro da cidade, deparei com ele fazendo um lanche, rodeado pelos filhos pequenos. Ele descobrira a morada de sua amiga de infância, a filha de Mamede Barros de Lapela e Vitória do Mearim. Sua presença na casa de mamãe, para merendar e conversar, tornou-se uma constante durante aquele período de mendicância que, tudo indica, terminou somente quando o Governo do Estado, chefiado por Epitácio Cafeteira, ainda naquele ano, lhe concedeu uma pensão vitalícia de cinco salários mínimos”.
E enfim, a última década do século XX, próximo passado. No dia 24 de abril de 1990, sob os auspícios da Prefeitura de Vitória do Mearim, Coxinho faz-se presente na cidade-sede, para a festa comemorativa do aniversário do município. Quase cego, e em cadeira de rodas, grande foi a sua alegria ao rever o velho parceiro Rosa Bobagem e com este cantar, em uma breve apresentação na Praça Rio Branco.
Em agosto desse mesmo ano, quando do seu 80º aniversário, toda a comunidade boieira de São Luís reune-se, em um show (cuja renda lhe é destinada) comemorativo dessa data. Contando com a participação de cantadores como Mané Onça (Boi da Madre Deus), João Chiador (Boi da Maioba), Inaldo (Boi de Axixá), Sabiá (Boi de São José de Ribamar), Gago (Boi da Floresta), o evento teve um encerramento inesquecível, com a presença viva do próprio Coxinho, cantando com Sebastião Aroucha (o novo amo do Boi de Pindaré), seguindo-se a exibição espetacular do respectivo Batalhão. O escritor Manoel dos Santos Neto comenta o fato em artigo jornalístico, como o veremos a seguir:
“Hoje, ao chegar aos 80 anos, ele exibe as marcas do tempo e a voz, calejada, denuncia uma vida de penúria e atribulações. Quase cego e com as pernas corroídas por uma chaga implacável, que o acompanha há vários anos, Coxinho não resiste e não quer parar. Indiferente às dores, continua compondo e produzindo toadas, com o seu conhecido poder de expressão. ‘Fico no Boi de Pindaré até o dia de morrer’, afirma o cantador, feliz com seu talento, mas amargurado com as suas condições de vida. A pensão que lhe foi concedida pelo governo do Estado, em 1987, foi parar nas mãos de sua ex-mulher e Coxinho, mais uma vez, está a ver navios. ‘Estou vivendo arrastado, jogado no mundo, e a mulher me jogou no lixo’, ressentido, afirma Coxinho, que durante 21 anos viveu com Maria Jocelina dos Santos”. [...]. (Manoel dos Santos Neto. Uma festa para Coxinho. Jornal O Estado do Maranhão, Caderno Alternativo. São Luís, 24.08.1990).
No ano seguinte (1991), a 3 de abril, Bartolomeu dos Santos despede-se deste mundo para ir “morar no céu”. Logo no primeiro domingo, depois de sua partida, no espaço dominical que lhe é reservado, na última página d’O Estado do Maranhão, o cronista e poeta Ivan Sarney registra o fato, evocando a figura de Coxinho, conforme o excerto:
“Apesar da idade avançada, quase privado do sentido da visão, aquele homem, de corpo franzino e enfermo, redobrava as forças na brincadeira do boi, atravessando as manhãs, no ofício de puxar as toadas, adornado pelo brilho dos paetês, das miçangas e das lantejoulas, ostentados em suas vestes de cantador. Naqueles momentos, sacudindo o maracá e trinando o apito, era a própria imagem da emoção, traduzida em melodia e ritmo, espalhando a sedução, o encantamento e a magia”. (Ivan Sarney. Um cantador na eternidade – crônica. Jornal O Estado do Maranhão. São Luís 09.03.1991 – última página).
E na cantiga Coxinho (gravada pelo Boi Barrica em 1992, no CD Bem Maranhão), o poeta e compositor popular, Juca do Bolo, imortaliza o acontecimento com muita emoção. Fiquemos por aqui, cantarolando a toada in memoriam ao grande cantador da Baixada...
“Companheiro/ Coxinho foi morar no céu/ Deixou o brilho no chapéu/ Do cantador da Baixada/ Eu fiquei com pena dele/ por não poder fazer nada/ Mas quando chegar mês de junho/ Eu vou lembrar na boiada”.
“Lá vem meu boi urrando/ Subindo o vaquejadô
Deu um urro na portera/ Meu vaquero s’ispantô/
E o gado lá da fazenda/ Com isso se alevanto
Urrou, urrou!/ Urrou, urrou!
Meu nuvilho brasilero/ Que a natureza criô.
[...]
Por aqui vô saindo/ São horas d’eu viaja
Adeus, até par’ o ano/ Quando eu aqui vortá
Vou ficá ao seu dispô/ Os tempo que precisa
A turma de Pindaré/ É pesada no boiá
O conjunto é brasilero/ E a força Deus é quem dá”.
(Coxinho. Urrou do Boi – 1ª. e últ. estrofes)
“Coxinho, porém, como artista, encantou-se em estado de glória: amado pelo seu público, a gente simples de sua terra; imortalizado por suas toadas gravadas em disco e na memória do povo que o conduziu pelas ruas até o seu último abrigo e ali cantou em sua homenagem. Poucos homens têm essa consagração, espontânea e comovente, e alcançam essa imortalidade. Permanece, no entanto, em relação ao Estado, uma dívida para com esse seu filho ilustre, que tanto ajudou a divulgá-lo, ressaltando, de forma apaixonada e poética, suas belezas e seus encantos. A pensão para a viúva e filhos; o nome em um logradouro ou monumento; a medalha do Mérito Timbira. Tudo isso, aparentemente tão pouco, significa muito para a comunidade, por ver reparada uma injustiça e por colocar o Estado no cumprimento do seu dever" (Airton Marinho. O Cantador)


Postar um comentário

 
Top